Joaquim Maria Machado de Assis construiu uma obra solitária, ainda insuperável em seu conjunto e acima das correntes literárias de seu tempo. Segundo Manuel Bandeira, "nenhum escritor o sobrepuja na harmonia de todas as qualidades, que faz dele nosso clássico por excelência". Para Alfredo Bosi, "o ponto mais alto e mais equilibrado da prosa realista brasileira acha-se na ficção de Machado de Assis". Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 21 de junho de 1839, e passou a infância e a adolescência no morro do Livramento. Cedo perdeu a mãe e ficou sob os cuidados da madrasta, Maria Inês. Fez os estudos primários numa escola pública do bairro de São Cristóvão e foi aluno do padre Silveira Sarmento, que o contratou como sacristão. Interessou-se então pelo estudo de línguas e aprendeu francês, inglês e alemão. Em 1855, publicou o primeiro trabalho, o poema "Ela", no jornal Marmota Fluminense. Depois entrou como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional, de onde passou, como revisor de provas, para a tipografia de Paula Brito. Lá conheceu escritores e jornalistas. A partir desse ano, colaborou no Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro, Semana Ilustrada e Jornal das Famílias, periódicos onde publicou boa parte de sua obra inicial. Em 1867 foi nomeado ajudante do diretor do Diário Oficial e dois anos mais tarde casou-se com Carolina Augusta Xavier de Novais, irmã do poeta português Faustino Xavier de Novais. O casamento teve importância decisiva na vida de Machado de Assis, pois os 35 anos de vida conjugal harmoniosa dariam ao escritor a serenidade necessária à criação de sua obra. Foi intensa a atividade do escritor na década de 1870. Colaborou no Jornal da Tarde, lançou o primeiro romance, Ressurreição (1872), e exerceu as funções de primeiro-oficial da secretaria do Ministério da Agricultura, Viação e Obras Públicas (1873). No Jornal das Famílias, entre 1874 e 1876, iniciou a publicação das Histórias românticas, e, depois, Relíquias de casa velha. Ainda em 1874, começou no jornal O Globo a publicação, em folhetins, de A mão e a luva. Colaborou na Gazeta de Notícias, na Revista Brasileira e em O Cruzeiro (1878) editou, também em folhetins, o romance Iaiá Garcia. Em 1880 foi nomeado oficial de gabinete do ministro da Agricultura; oito anos mais tarde foi elevado à categoria de oficial da Ordem da Rosa; e em 1892 ascendeu a diretor-geral da Viação. Paralelamente, consolidou-se seu prestígio como escritor, já amplamente reconhecido. Em 1896 fundou, com outros intelectuais, a Academia Brasileira de Letras, da qual foi eleito presidente no ano seguinte. Machado de Assis criou uma obra equilibrada que inclui romances, contos, crônicas, ensaios, poesia e teatro. Mas foi no romance e no conto que se realizou plenamente como escritor. Como dramaturgo, limitou-se às comédias ligeiras, a maior parte delas com um único ato, sem importância em sua produção. Das 13 peças que escreveu, destacam-se Tu só, tu, puro amor e Lição de botânica. Como poeta, contemporâneo ainda da segunda geração romântica, Machado sofreu a influência dessa escola: seus versos - reveladores de uma severa perfeição formal - não possuem; entretanto, o mesmo calor nem a força expressiva dos grandes poetas românticos. Assim, do romantismo das Crisálidas (1864) e Falenas (1870), passou ao clima indianista das Americanas (1875) e à experiência parnasiana das Ocidentais (1879-1880), cujos poemas de impecável tessitura formal já deixam entrever a filosofia amarga de seus contos e romances. Entre os mais conhecidos, figuram "A mosca azul", "Círculo vicioso", "A Carolina", "Soneto de Natal", "Uma criatura" e "No alto". No ensaio, revelou-se prosador correto, elegante e agudo crítico literário e teatral. Como cronista, é um dos maiores do Brasil: ágil, espirituoso, sempre atento aos acontecimentos, conseguiu captar e tratar com humor a alma carioca de sua época. Suas crônicas foram publicadas na imprensa, em colunas como "Histórias de quinze dias", "Notas semanais", "Balas de estalo" e "A semana". No conto, Machado de Assis produziu algumas obras-primas. O melhor de sua produção de contista está nas coletâneas Papéis avulsos (1882), Histórias sem data (1884), Várias histórias (1896), Páginas recolhidas (1899) e Relíquias de casa velha (1906). São contos de observação da vida exterior e de análise psicológica, em que o autor foi mestre consumado. O conto machadiano é uma arte de pormenores, de sutilezas, em que há o engaste perfeito da simplicidade do estilo, do humor e da reflexão. Entre os melhores estão "Cantiga de esponsais", "Missa do galo", "Uns braços", "A desejada das gentes", Trio em lá menor", "A chinela turca", "O enfermeiro" e "O alienista", este último na verdade uma novela. Já nos primeiros romances, Machado deixa entrever as qualidades de grande prosador. Mas é, sobretudo, na trilogia Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1900) que aparece sua genialidade. Brás Cubas é o romance que serve de divisor de águas da obra machadiana e inaugura a fase de maturidade do escritor; Quincas Borba prossegue a narração em terceira pessoa para contar a história de um provinciano ingênuo, herdeiro improvisado que cai nas mãos de um casal jovem e ambicioso. Dom Casmurro faz voltar o estilo das memórias quase-póstumas, ao apresentar o relato de Bentinho, que se crê traído pela mulher e pelo melhor amigo, e relata sua vida quando ambos já estão mortos. Essa atmosfera e esses padrões da trilogia continuam em Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), em que já se consumou o maneirismo de Machado. As primeiras obras, embora românticas, já esboçam, nas entrelinhas das situações insípidas, não apenas o perfil do sóbrio estilista, mas algumas das linhas mestras que se afirmam em sua obra a partir de Brás Cubas. Sutil e reticente, Machado examina a precariedade da condição humana e destila, vagaroso e implacável, seu fel contra a vida e os homens. A dúvida, a indecisão, o logro e a loucura são temas característicos de seus romances, a que, se faltam pujança e paixão, sobram estilo e viva observação psicológica. O agravamento de sua doença, a epilepsia, mal que, latente na infância, acentuou-se por volta dos quarenta anos, talvez determinasse de certa forma seu radical e incurável ceticismo. Entre os tipos machadianos, sempre estranhos e contraditórios, alguns há de notável estatura e precisão literária, como é o caso de Capitu, símbolo da dissimulação; Virgília, imagem da inconsequência e da leviandade; Flora, que morre vítima de sua própria contradição interior; Brás Cubas, a quem o absurdo da existência leva ao delírio; Rubião, condenado à loucura por pureza e ingenuidade; e o Conselheiro Aires, encarnação da finura, do humorismo sutil - flor sarcástica do pensamento de seu criador. Machado de Assis levou vida retirada depois da morte da esposa, em 1904, e morreu em 29 de setembro de 1908, na casa do Cosme Velho, no Rio de Janeiro.